Perder todos os bens ou parentes provocam sensações parecidas nas inúmeras vítimas das chuvas na comunidade. Sobreviventes relatam mais algumas histórias para O FLUMINENSE
No quarto e penúltimo capítulo da série dos sobreviventes do Morro do Bumba, O FLUMINENSE mostra hoje duas histórias: a de Simone de Oliveira, de 31 anos, que há um ano perdeu casa, emprego recém-conquistado, amigos, todos os bens que possuía e ainda foi obrigada a ficar longe de um dos quatro filhos que, por problemas de saúde, não conseguiu viver no abrigo do 3º BI.
A outra história é de Sheila Beatriz Alves Esteves, de 42 anos, que perdeu o tio, Selmo de Almeida Alves, 50 anos, funcionário da Clin, que morreu enquanto guardava uma retroescavadeira utilizada para o resgate de vítimas do deslizamento. Sheila revela que Selmo teve um presságio de que algo muito grave estava para acontecer naquele dia.
Segundo ela, o tio chegou a comentar com um amigo que não queria trabalhar, mas não sabia explicar o motivo. Acabou falando mais alto o senso de responsabilidade, que não permitia a Selmo faltar ao trabalho sem uma justificativa plausível.
Simone de Oliveira, 31, há um ano morando no abrigo
“Com o morro caiu tudo. Minha casa, muitos amigos, todos os meus bens e até o emprego, que tinha acabado de arrumar. E minha família que se separou”, revela Simone de Oliveira. Na época do deslizamento, ela foi encaminhada para um abrigo temporário. Foi transferida duas vezes e hoje mora no antigo 3º Batalhão de Infantaria do Exército (3ºBI), na Venda da Cruz, em São Gonçalo, com mais 400 pessoas na mesma situação.
Abril- Sem teto
Os deslizamentos do dia 5 mantêm a família reunida na casa da sogra de Simone, numa área mais segura do Bumba. Durante a madrugada do dia 6, a casa vazia cai, junto com dezenas de outras, na enorme cratera que muda a geografia do bairro e a vida dos sobreviventes.
“A gente não conseguia dormir. Ouvimos a explosão, o corre-corre. Fomos retirados do local e minha casa já não existia quando passei por lá. Na manhã seguinte a visão era estarrecedora”, descreve.
Ficou dez dias na casa da sogra até ser retirada pela Defesa Civil . A família vai para o primeiro abrigo provisório: a Escola Machado de Assis. “Lá tudo era mais tranquilo. Todos nos tratavam bem”.
Maio- Novo abrigo
A transferência para o 4º GCAM, um batalhão desativado do Exército no Barreto, mudou a expectativa de uma solução rápida para a questão habitacional.
“Naquele galpão enorme foram abrigadas centenas de pessoas, com horários para acordar, dormir, comer. Parei de trabalhar pois ganhava salário e uma passagem e precisava de duas morando na Zona Norte”.
Junho- Novo emprego
“Junho foi mais tranquilo pois consegui novo emprego, numa churrascaria. O benefício era de uma passagem só, mas ganhava um pouco mais então valia a pena. Na mesma época comecei a me envolver na luta para melhorar as condições de vida no abrigo.”
Agosto- Administração
A administração do abrigo GCAM é entregue aos desabrigados, segundo Simone.
“De repente nos vimos tendo que andar por nós mesmos. Nos proteger ali dentro, fazer reparos em um prédio enorme e velho e me perguntava ‘como vamos conseguir viver?”
Outubro- Desemprego
“Abandonei o emprego depois que três homens foram me procurar na churrascaria onde trabalhava. No dia, meu filho passou mal e eu fui liberada. Nunca mais voltei.”
Novembro- Nova mudança
Chega a notícia da transferência dos desabrigados para o 3ºBI, onde outras vítimas estavam desde abril. Um processo de unificação dos abrigos, que estavam se esvaziando.
Janeiro- Resistência
“Logo nos primeiros dias do ano, a operação para nos mudar de abrigo foi tentada. Resistimos. Numa dessas tentativas os desabrigados fundam a comunidade do Osvaldão”.
Fevereiro- No 3º BI
No dia 2, depois de inúmeras tentativas de resistência, a transferência finalmente é realizada.
Março- Esperando ajuda
“Mais distante ficamos fisicamente e também na esperança de uma casa nova. Estamos em São Gonçalo. Ainda estamos aqui, esperando ajuda”.
Abril- Lembranças
“Eu vivia no morro com meus quatro filhos e marido em uma casa de dois cômodos e banheiro. Agora estou aqui, há um ano em um abrigo provisório, com um cachorro chamado GCAM, sem um dos meus filhos, que não conseguiu viver aqui porque tem problemas de saúde que pioram com a umidade e a poeira. Também estou desempregada e minha renda familiar é de R$ 150 por semana.”
Planos- Ter esperança
“A esperança é tudo o que tenho hoje.”